Invenção Brasileira, 30 anos de lutas pela Cultura popular

Nossa história começa a ser contada no ano de 1928, na cidade de Carpina - Pernambuco, onde o menino Solon Alves de Mendonça vê pela primeira vez na vida uma brincadeira de "mamulengo" que naquela região se chamava "presépe":

Eu, com 08 anos de idade, ele (o pai) chegou um belo dia de sábado e disse: Vá dormir para a noite a gente ir ao presépe de Chico da Guia, na casa de Zé Girome. - (…) Minutos depois, começou uma musica de instrumento de corda e pandeiro, com uma perfeição extraordinária. A barraca tinha duas bocas de cena: uma em primeiro plano e outra em segundo plano. Em primeiro plano, começou o som do violino. O cenário: o sol, a lua, as estrelas, as nuvens. Aquelas nuvens apresentavam uma imagem de Deus dizendo: Eu sou o pai! Ai esta o sol, a lua, as estrelas ... Quando terminou a cena de Adão e Eva, fechou a boca de cena e abriu a segunda. Mudou o ritmo musical para samba e batucada. Ai foi que eu fiquei hipnotizado.(...) Saiu um homem pequenino das pernas moles, pulando e dançando. Deitado, em pè, dava pulo de todo tamanho: era o palhaço. (...) Apareceu uma velha, um boi e o filho da velha. A velha cismou de querer tirar leite do boi, porque quem vendou o boi disse que dava leite. O filho dizia a ela que era mentira. O boi ficou bravo e dando chifrada. O filho socorreu a velha. O boi dava chifrada… Eu fiquei com pena da velha porque o boi imprensava ela no pau da barraca que era capaz de partir a velha em dois pedaços. Com este movimento me achei cansado e o sono me dominou até que horas, não sei. Quando meu pai e mãe me despertaram, já foi pra vir pra casa. Eu completamente traumatizado com aquele estado de coisa.

Em 1937 (foto) Solon estreou seu Mamulengo Invenção Brasileira, brincou por toda região da Zona da Mata, viajou nos anos cinqüenta para o Rio de Janeiro onde incorporou novidades ao seu brinquedo, quando voltou a Carpina no início dos anos sessenta, levava um telescópio que agregou ao brinquedo dos mamulengos e depois das apresentações mostrava ao público, um por um, por um tostão, os astros celestes vistos de bem perto. também se especializou em construir "casas de farinha" ou "presépios mecânicos" representando diversas cenas bíblicas ou profanas com bonecos que se moviam através de roldanas, polias e pedais, uma engenharia que atraia "gente de todo canto do mundo" pra apreciar. Enquanto brincava Solon ia formando através de aprendizes e seguidores uma nova geração de mamulengueiros em Carpina e região e logo por todo Brasil para onde sempre viajava com sua Invenção Brasileira, convidado para Encontros e Festivais, adorava dar entrevistas e conversar com interessados em seu ofício, um intelectual orgânico, esse sim, dizia que "o boneco é anterior ao ser humano, por isso não podemos dizer qual sua origem". Entre tantos princípios estimulantes, Solon nos ensinou que "tudo que se imagina existe de verdade em São Saruê de onde vem toda inspiraçao e criatividade por isso não devemos imaginar coisas ruins pois se imaginamos já está acontecendo”.

Em 1987 convidado pelo Estado de Pernambuco para participar da Festa dos Estados em Brasília, no dia em que ia ser homenageado pelos seus 50 anos de Mamulengo Invenção Brasileira, Solon faleceu, vítima de atropelamento no "eixão monumental" a via mais perigosa de Brasília.

A partir de então o Mamulengo Presepada incorporou o nome Invenção Brasileira em memória de Solon e seus eternos mamulengos que vivem encantados junto ao mestre nas Terras de São Saruê.

São trinta anos de estradas, vinte e cinco países e todo o Brasil dos centros urbanos as comunidades rurais e aldeias, seguindo os ensinamentos dos mestres e formando nova geração de brincantes dessa Invenção Brasileira.

Em 2002 inauguramos no velho Mercado Sul de Taguatinga - DF o Espaço Cultural Invenção Brasileira que em 2005 se transformou em Ponto de Cultura Invenção Brasileira, onde centenas de jovens e crianças podem crescer convivendo com artistas e educadores de diversas áreas da cultura popular brasileira e das tecnologias livres e colaborativas.

Nesses trinta anos de re-existencia o invençao Brasileira conta com a colaboraçao e parceria de centenas de ativistas que fazem história no movimento cultural de Brasília e do Brasil. Vamos ouvir um pouco dessas pessoas e seus diversos pontos de vista.

Hoje o Mercado Sul inteiro é um celeiro de ocupação, resistência e produção de diversidades culturais em várias linguagens artísticas e ofícios artesanais que luta por sua manutenção e sustentabilidade contra a especulação imobiliária e o monopólio da indústria do "entretenimento" que obriga governos a perseguirem quem ousa trilhar  caminhos solidários e colaborativos fora da competição do mercado, fora do engessamento burocrático oficial e fora da exploração do trabalho alheio.

Somos porque somamos, Invenção Brasileira 30 anos!

Mercado Sul Vivo!

Chico Simões - Setembro de 2017