Entrevista – Marco Augusto – Invenção Brasileira 30 anos

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Meu nome é Marco Augusto de Rezende, sou bonequeiro, trabalho desde os 15 anos com teatro de bonecos e é isso, a vida é brincar com bonecos, pensar projetos, espetáculos, sonhar e viver.

 

30”

Marco, a gente tem notícias de vocês, queria que você esclarecesse, parece que o processo de formação do grupo Bagagem, você participou do Bagagem, né, foi parecido com o processo do Retalhos, não sei se foi a mesma situação do projeto Plateia, oficinas, conta um pouco a história do Bagagem.  Eu entrei no Bagagem já bastante tarde,

 

1’

o grupo já existia há uns 10 anos, então eu não participei desse momento de fundação do grupo, mas eu peguei enquanto estudante: de ouvir falar do projeto Plateia, de, enquanto estudante, ver que passava grupos de teatro na escola, eu não sabia quem fazia, sabia que tinha grupos fazendo

 

1’30”

teatro, era uma experiência riquíssima de poder assistir os espetáculos na escola, de, às vezes a escola saía e ia pra um auditório assistir o espetáculo e eu sempre me encantei, gostei e sempre ficava aquela pergunta: quem são essas pessoas que fazem o espetáculo? Porque trazem aqui na escola? Como funciona? Mas nunca pensei que aquilo seria pra mim. Mais tarde, eu comecei a ver alguns

 

2’

espetáculos de teatro de bonecos e no projeto Plateia eu vi um espetáculo de mamulengo, não sei que grupo fazia, mas o nome era Mamulengo e tinha uma empanada verde e eu lembro dos bonecos, como os bonecos de mamulengo tinham a cabeça, aquela cabeça roliça que é mais ou menos o entalhe da madeira, eu queria fazer, então aprendi fazer papel machê, cheguei em casa e esculpi os bonecos de papel machê mais ou menos imitando o entalhe da madeira do mamulengo. Comecei a brincar com alguns amigos

 

2’30”

e um dia, eu fazia natação no Sesi, indo pra natação vi um cartaz: oficina de teatro de bonecos. Eu falei: “Olha só, que legal, tem gente ensinando a fazer isso.”. Fui fazer essa oficina, era uma oficina ministrada pelo grupo Bagagem e lá, eu aprendi a fazer algumas outras técnicas de confecção de bonecos, de criação, depois chamei uns amigos e fundei o primeiro grupo, que era o grupo Trapo do Baú. E aí, com influência do Bagagem, com muito apoio do grupo Bagagem,

 

3’

a gente formou alguns espetáculos, e aí o Airton falou assim: “Olha, existe uma Associação aqui em Brasília que é uma Associação de bonequeiros, de pessoas que trabalham com teatro de bonecos, você não quer ir lá um dia? ” Então eu fui lá um dia, foi o primeiro contato que eu tive com o Chico Simões, com o pessoal do Retalhos, que todo mundo fazia parte, era o Núcleo DF da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, que já estava discutindo projetos, e tal. Fui muito bem recebido, eu começando

 

3’30”

com alguns bonecos ali e já me chamaram pra fazer algumas brincadeiras em alguns projetos, eu e meu grupo que era um grupo novo, o Trapo do Baú, e ali com esse grupo, eu segui trabalhando. Aí um belo dia, o Airton me chamou pra fazer parte do grupo Bagagem e lá, eu ingressei no Bagagem e fiquei até 2003. E sempre nessa coisa de participando dos movimentos, do movimento do bonequeiro, do movimento de teatro amador, …,

 

4’

COFENATA, um momento muito rico e de formação, porque a minha formação é de participar de festival, de ver as pessoas brincando o boneco, de chegar e perguntar como esse boneco é feito, e de estudar e de ler muito, não na escola, mas de uma pesquisa pessoal, e de uma pesquisa quando eu necessitava pra poder montar um espetáculo.

 

4’30”

Então, dentro desse movimento conheci o trabalho da Mamulengo Presepada e que peguei uma fase muito interessante, foi quando eles montaram o teatro lá na M Norte, que era um teatro de fundo de quintal. Quando vi aquilo eu fiquei maravilhado, eu falei: “Caramba, que coisa fantástica”, um teatro num fundo de quintal, acho que não tinha nem cobertura e eu me lembro de quando criança,

 

5’

meu primeiro contato foi com o circo e eu já imaginava no quintal de minha casa fazer um teatro, aí mais tarde eu tive a oportunidade de ver o teatro do Mamulengo Presepada, que era um teatro de fundo de quintal, uma coisa fantástica.

Quando a gente aprende a fazer teatro por esse caminho, eu acho que a gente tem uma visão diferenciada do que as pessoas pensam de um teatro, de um espaço glamouroso, a gente começa a perceber que o teatro não precisa de pré-

 

5’30”

requisito nenhum pra acontecer, ele precisa da boa vontade, de pessoas, e achei fantástico. E por aí eu fui seguindo, aprendendo, quando eu vi esse teatro de fundo de quintal eu fiquei encantadíssimo com essa possibilidade, com essa simplicidade, sempre convivendo com os

 

6’

grupos aqui do Distrito Federal, grupo Retalhos, sempre…. e as brincadeiras de mamulengo. Era uma época onde a coisa não era assim tão organizada, onde a gente só apresentava por cachê, a gente se reunia às vezes, pra brincar; teve uma certa ocasião que surgiu a oportunidade de ir pra um festival da ABTB e tinha que levar um trabalho de Brasília, então a gente ficou um tempão

 

6’30”

se reunindo ali, me parece que era a sede do grupo Retalhos, pra gente poder montar um trabalho coletivo com todos os bonequeiros do Distrito Federal pra poder levar um trabalho coletivo pra esse festival da ABTB. Acabou que não deu certo, mas foi uma experiência riquíssima, a gente se reunia, ensaiar, pensar num trabalho coletivo, nunca chegamos a apresentar, mas o processo de ensaio, de convivência com as outras pessoas foi riquíssimo.

 

7’

E quando a gente fala de teatro de bonecos, quando penso aqui no teatro de bonecos em Brasília, a gente tem que se reportar ao Mamulengo Presepada, que é um trabalho importantíssimo de difundir e de repassar o conhecimento, o saber, Chico, primeiro, que começou repassando, influencia vários grupos aqui do Distrito Federal com o trabalho deles.

 

7’30”

É um trabalho que eu gosto muito, gosto de ver e tenho oportunidade de sempre quando eu organizo algum evento, poder chamar o Mamulengo Presepada. É um trabalho de simplicidade, mas que tem uma raiz, tem uma história por trás e uma coisa interessante: eu já vi várias versões do Romance do Vaqueiro Benedito, com vários tipos de tolda,

 

8’

e isso é uma coisa interessante que está sempre se renovando, eu que já assisti muitas vezes, eu falo assim: “ Não, acho que eu assisti poucas vezes que a tolda era a mesma, ou que a sequência…” Claro, teatro nunca é o mesmo quando você vê, mas quando é um espetáculo que já tem uma história tão longa, você vai percebendo as mudanças que esse espetáculo… vai acontecendo durante a história do espetáculo. Então

 

8’30”

é uma coisa, assim, de renovação constante.

Percebo muita questão: a tolda muda muito, ver assim, várias toldas passam aqui na minha mente, as toldas. Eu chamo de empanada, Chico chama de tolda,

 

9’

mas é o lugar de brincar o boneco. As mudanças, os grupos musicais que acompanharam os artistas, que acompanharam, Geraldo Toledo, vários músicos que acompanhavam, então é um trabalho vivo em constante mudança.

 

9’30”

Eu percebo muito nos bonecos, tem sempre algum um boneco novo, por exemplo: o primeiro boneco que eu vi e que eu achei interessantíssimo, da primeira apresentação, foi o Janeiro, e aí a gente identificar: Não, esse boneco aqui é um boneco que foi feito por determinado mestre; em tal versão já… não sei quantos Janeiros ele tem, mas pode

 

10’

ser o mesmo desde a primeira vez que ele apresentou, então é isso. Uma coisa também que eu percebo muito é a evolução do personagem do Matheus, da Lelé Bicuda, quando eu fui assistir essa vez lá no teatro de fundo de quintal que ficava lá na M Norte, o Matheus, ele usava uma roupa totalmente diferente, era, me parecia que era um uniforme

 

10’30”

meio militar que tinha aquelas coisas assim e a pintura era diferente. Então o personagem veio evoluindo tanto na parte da encenação, como na indumentária. Hoje, a indumentária do Matheus é fantástica, é diferente, você vai percebendo os elementos e a evolução estética

 

11’

do personagem, é muito bom perceber isso.  Sim, assisti todos esses, porque quando nas nossas reuniões de bonequeiros, a gente sempre teve oportunidade de assistir os espetáculos. O Carlinhos Babau foi o que eu assisti mais tarde,

 

11’30”

eu assisti recente, há pouco tempo que ele tinha parado de brincar bonecos, quando eu comecei a entrar acho que ele não estava mais em Brasília, então tive a oportunidade de ver ele em alguns projetos que eu fiz e o convidei para apresentar que é o: Faça noite ou faça dia, viva o palhaço Alegria, que foi mais ou menos uma retomada da brincadeira dele com mamulengo, já ali em 2009, naquela época eu ainda não peguei.

 

12’

Mas Paulo de Tarso eu acompanhei muito, ele e os bonequeiros.

 

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O que chamava atenção na brincadeira do Paulo de Tarso é que uma vez a gente tinha um trabalho no primeiro grupo Trapo do Baú e a gente fez um encontro aqui na Casa do Cantador, em Ceilândia, e o primeiro a apresentar foi o Paulo de Tarso e eu e meu amigo Cristóvão tinha uma brincadeira já armada. Meu amigo ficou tão encantado com o trabalho do Paulo de Tarso, que quando a gente entrou pra empanada, pra apresentar,

 

30”

a apresentação não era nada daquilo, aí ele ficou tão influenciado pelo Paulo de Tarso que a nossa apresentação ficou muito, muito parecida com a dele. Eu falei: “O que que foi isso? ” Ele disse: “Não, rapaz, eu assisti aquele es petáculo do Paulo de Tarso, eu achei fantástico demais, é muito improviso, não tem roteiro, nós vamos fazer só assim agora, Marco”. Eu disse: “Não, bicho…” Então, assim, eu tenho uma característica, eu brinco o boneco, eu improviso, mas meu improviso não vai tão além assim, não, se eu sair muito do que está ensaiado, eu já estranho.

 

1’

É a maravilha do brinquedo e que eu chamo de brinquedo mesmo, meu trabalho mesmo eu não chamo de mamulengo, eu faço o teatro de bonecos, que é como as pessoas conhecem, como eu aprendi a fazer, mas eu não intitulo de mamulengo porque não tem essas características e o Chico mesmo me deu um livro há um tempo atrás, logo quando a gente começou, e que é o do Hermilo Borba Filho,

 

1’30”

que é ‘Fisionomia e Espírito do Mamulengo’. E ali, um livro interessantíssimo e eu percebi assim: o mamulengo ele tem a fisionomia, toda aquela técnica de confecção, da madeira, do mulungu, do entalhe, da tradição, das cores e aquilo faz a sua estética, mas a outra parte é o espírito do mamulengo, que é a questão do improviso, do texto que não,

 

2’

o texto que é da tradição oral, que é da brincadeira, que é da irreverência, que é desse teatro que você não precisa de ter pré-requisito nenhum pra você entender, pra você gostar, pra você participar. Então assim, eu digo, eu até digo assim: fisicamente, quem vê não identifica o meu trabalho como sendo um trabalho de mamulengo e eu não digo que é de mamulengo, mas tem o espírito do mamulengo, né, a coisa do brinquedo, é brinquedo e assim, essa coisa dos

 

2’30”

rótulos eu até respeito a questão dos rótulos, das diferenciações, mas pra mim é tudo teatro de bonecos, é o brinquedo, é a animação, é feito na frente do público, é pra encantar e esse é o objetivo que eu busco no trabalho.

 

3’

como você vê a história desse trabalho aqui em Brasília?

 

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…da ABTB que era um núcleo DF da ABTB, ela não tinha sua característica própria, era como se fosse uma filial da Associação Nacional, e numa determinada época a gente resolveu fazer uma coisa com a identidade daqui do Distrito Federal. Pô, a gente é um grupo, a gente tem essa questão de uma associação, então vamos fundar uma associação que seja do DF: Associação Candanga de Teatro de Bonecos,

 

30”

que por sua vez, é afiliada à ABTB, a Associação Brasileira e também afiliada ao UIMA – União Internacional de Marionetistas. E eu participei, eu fui o primeiro presidente, na época, da Associação, e por lá passaram vários presidentes. Então, sempre foi o momento da gente trocar experiências, trocar projetos, teve uma época que a gente teve muitos projetos, a gente fez o Circuito Rural de Teatro de Bonecos, um projeto

 

1’

riquíssimo, um festival, não era um festival, era um circuito onde a gente apresentava em várias escolas rurais, foi o projeto mais encantador que essa Associação fez, porque levar o teatro de bonecos para quem nunca viu, a gente levar pra quem nunca viu mesmo, e é difícil eles terem acesso, era uma experiência fantástica; os locais onde as escolas estão inseridas,

 

1’30”

as pessoas, a recepção da direção, fantástico. E a Associação, com esses projetos, conseguiu fazer roda de teatro de bonecos, tivemos projeto na Caixa Cultural, momentos de encontro fantásticos onde a gente pôde trazer até grupos de fora para apresentar com a gente aqui. O festival internacional

 

2’

o Ricardo Moreira fez a primeira edição quando ele era presidente da Associação. Ele fez a primeira edição do festival, mas é um festival de propriedade da RUARTE teatro de bonecos, a Associação deu um apoio em primeira instância enquanto ele era presidente e sempre participou. Depois o festival internacional foi crescendo e conseguiu caminhar sem

 

2’30”

uma ligação direta com a Associação. Claro que toda edição do festival, todos os associados que quiseram apresentar tiveram toda oportunidade de fazer as apresentações, mas ele cresceu independente da Associação.

 

3’

tradição, isso pode ter ajudado a ter essa riqueza aqui no DF.

Sim, claro, o Festival Internacional de Teatro de Bonecos foi um dos maiores do mundo e teve até uma edição que teve 300 apresentações. Então, imagine um festival com essa potência trazendo mestres, trazendo grupos e onde a gente aprende é ali, é no festival, é apresentando, é vendo, é trocando informação, perguntando como o mestre

 

3’30”

fez, perguntando como aquela pessoa fez aquele boneco, aquela cena, e é assim que a gente aprende. Aqui em Brasília, assim, oportunidade de cursos de bonecos a gente teve muito pouco, então a nossa grande escola, da maioria das pessoas que trabalham com bonecos aqui em Brasília são os festivais: vendo, fazendo, aprendendo, perguntando, então um grande momento de encontro, reciclagem, troca.

 

4’

Sim, o Festineco foi por uma questão muito específica lá de onde a gente está inserido, no Gama. O Gama tem 6 grupos que trabalham com teatro de bonecos e aí, a gente tinha um ponto de cultura lá, que era o Ponto de Cultura da Rede de Ação Cultural do Gama, que era formado por 3 grupos de teatro de bonecos: era o meu grupo Voar, o Titeritar e o Cidade dos Bonecos.

 

4’30”

Essa associação em torno do ponto de cultura terminou e aí eu senti uma necessidade de fazer uma coisa onde englobasse outras companhias que trabalham lá, então eu pensei em fazer, poxa, acho que nessa cidade cabe um festival de bonecos aqui porque é o momento da gente mostrar nosso trabalho dentro de um outro patamar que é um festival internacional, onde a gente está inserido

 

5’

aqui dentro da nossa cidade. Aí, em 2009, a gente fez a primeira edição e agora a gente está na 5ª edição, fizemos a 5ª edição em 2016 e é isso, é uma oportunidade muito interessante da gente se mostrar dentro da nossa cidade “olha, a gente está aqui”, já conseguimos público fiel que espera o festival anualmente, sempre nos pergunta, e é isso.

 

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Sim… o Retalhos… sim, eu estava conversando com o Miltinho assim, eu conheci o Mamulengo Retalhos já estava mais no final, acho que o espetáculo que eu acompanhei deles, um dos últimos foi quando dizia “Conta

 

30”

a história não é tonta”, que é um espetáculo que também tinha bonecos, essa influência do mamulengo muito forte. Então a gente observou que quem veio aqui e bebeu nessa fonte: o Miguel Mariano, com o Roupa de Retalhos; lá no Gama, o Nildo Júnior fundou o Titeritar e veio aqui, aprendeu também a fazer o mamulengo, o boneco esculpido em madeira;

 

1’

Robson, do grupo Quilombetagem, inclusive já acompanhou o Chico fazendo música; a gente tem vários grupos que…Valter, que aprendeu aqui, foi do Mamulengo Presepada depois fundou… acho que ele não fundou, acho que ele herdou o Sem Fronteiras,

 

1’30”

foi exatamente isso, ele herdou o Sem Fronteiras, que já existia e continuou o trabalho levando o nome do Sem Fronteiras; Thiago, que foi corajosíssimo, largou a Secretaria de Educação, hoje vive de brincar mamulengo, um trabalho… e são esses, assim, que a gente vai lembrando, é muita gente.

 

2’

O Algodão, quando eu o conheci ele já tava, ele brincou aqui, aprendeu aqui, aprendeu no Mamulengo Sorriso e já tava com Universo São Saruê, que é a Companhia dele e é pra mim, o Algodão é um dos melhores manipuladores de boneco, quando a gente fala em mamulengo porque quando a gente vê… ele tem uma cena que é o boneco jogando

 

2’30”

capoeira, o boneco faz uma rodada assim com a mão que eu nunca vi uma coisa, uma cena tão bela quanto aquela rodada do boneco capoeirista dele. Então, assim, é um movimento riquíssimo, vivo, atuante, é múltiplo…Carlos Machado, sim, do Mamulengo Mulungu.

 

3’

Josias, Josias, claro. Por aqui passaram muitos grupos, porque as primeiras oficinas aqui, aqui no espaço Invenção Brasileira, foram oficinas riquíssimas onde eles começaram desde a questão do entalhe do boneco e da brincadeira. E sem contar o seguinte: que

 

3’30”

quando não tinha oficina, a fonte para beber era aqui mesmo, na questão do mamulengo, em aprender, e tudo, porque o Chico sempre esteve com a porta aberta e se você chega e pergunta, ele ensina mesmo, então é por aí, exatamente. Afonso Miguel, eu vi ele brincando já no Festival Internacional de Bonecos, eu não peguei esse momento em que ele veio aqui, ou que ele brincava com o Chico,

 

4’

eu não sei como foi essa história antes, mas as primeiras apresentações que eu vi dele, eu ouvia falar de Afonso Miguel, acho que ele estava na Holanda, tava fora do Brasil, e vi o brinquedo dele, a apresentação dele já no Festival Internacional de Bonecos.

 

Ib 30- Marco 5

Isso, da mulher à frente da brincadeira do mamulengo. Assim, porque a gente conhece o trabalho do Mamulengo Presepada, a gente sabe que tem a questão de você beber na fonte, trabalhar

 

30”

com os mestres, mas aqui não tem essa coisa de mulher não brinca mamulengo, claro, a mulher brinca mamulengo, então, assim, essa coisa de estar com as portas abertas pra quem quisesse brincar mamulengo, por exemplo: eu cheguei aqui um pouco mais cedo, o Zé tava falando da Zeti, que foi uma das pioneiras em brincar boneco aqui, então, assim, é justamente isso, não tem fronteira,

 

1’

não tem pré- requisito, não tem nada, o mamulengo é aberto pra todos. Existem algumas questões que justamente devem ser derrubadas, nessa coisa de mulher não brinca mamulengo, hoje as filhas do Zé Lopes brincam mamulengo, e é um mamulengo riquíssimo, belíssimo, traz uma outra

 

1’30”

perspectiva da brincadeira. Até alguns brinquedos, eu conversando com o Zé Lopes há um tempo essa questão até do politicamente correto, da questão da mulher dentro da história do mamulengo em que, a partir do momento em que as filhas começam e brincar, ele começa a perceber que pode ser tomado, deve, pode, não, deve ser tomado um outro caminho, por quê? Por que é uma arte

 

2’

viva, é uma arte dinâmica, não está presa a raiz, a raiz existe, a história do mamulengo existe, mas é uma referência, não deve ser seguida ao pé da letra, então a brincadeira é livre e é para todos. Os que eu tive mais contato foram O Zé Divina e o Zé Lopes,

 

2’30”

o Saúba eu conheço muito pouco, de vista, e esses dois são os que eu tive mais contato.

Chico de Daniel também, ele começou a brincar, veio várias vezes, eu conheci muito ele pelo Festival Internacional de Bonecos, que trouxe ele várias vezes.

 

3’

Inclusive a gente fez uma brinca… na época do Festival em que a ACTB era mais ligada ao Festival Internacional de Bonecos, nós levamos ele pra brincar, seu Chico Daniel pra brincar lá na Feira e aí tinha um, eu tava na produção porque a ACTB fazia uma parte na produção do Festival Internacional, aí quem brincou antes foi o Carlos Machado. Aí o Carlos Machado entrou com o boneco e falou assim: “ Rapaz,

 

3’30”

não sei o que lá e que…” Na época, acho que “ que aqui, não sei o que lá, que o…do Roriz, que é o governador, que é aquele que é o matador de lixeiro”. Que há pouco tempo tinha acontecido o conflito na Novacap, onde assassinaram um trabalhador, e aí tinha o pessoal da administração da Feira, falou: “ Vai parar essa brincadeira agora” e foi um deus-nos-acuda pra gente poder manter a apresentação; a tomada do som tava ligada em uma banca, o pessoal da Feira

 

4’

chegou, tirou a tomada da banca porque falou que o Roriz era matador de lixeiro; aí a gente pegava a tomada e ligava em outra banca, a apresentação começava, e tal. Aí o seu Chico Daniel: “ Não, eu vou brincar depois do Carlos, mas eu não vou falar mal de ninguém, não”.

 

4’30”

um lugar dinâmico demais. De brincar na rua, que a gente brinca assim de botar a empanada na rua e brincar, a coisa que mais acontece é o tal do bêbado, então a gente fazia uma brincadeira que a gente não usava uma cobra, a gente usava um jacaré que comia todo mundo da cidade. E aí a gente foi brincar uma vez e a gente começou a brincar e o jacaré começou a comer as pessoas e chegou o bêbado lá: “ Qual é o jacaré mais brabo que existe? ”

 

5’

Eu falei: caramba. Aí o boneco falou: “ Não, é o jacaré assim, é o jacaré…” Não, e o bêbado não deixava a apresentação continuar enquanto não dissesse qual era o jacaré mais brabo que existia, toda hora o bêbado: “Ah, rapaz, qual é o jacaré mais…”  Caramba, velho, e a brincadeira não rolou porque o bêbado não deixou. Aí, no final a gente falou: “Aí, rapaz, que negócio é esse…” “ Não, rapaz, o jacaré mais brabo que existe é o jacaré do papo amarelo”. Eu falei: “Ah, meu Deus! ” Essas coisas de brincar na rua,

 

5’30”

então a gente está lá exposto e há brincadeira, né. É isso, essas histórias.

 

6’

Brasília foi incluída no registro… foi questionado, né… não sei se você acompanhou esse processo, se podia contar um pouco como foi.

É, foi um processo longo do registro do mamulengo, e essa coisa de Brasília estar inserida dentro desse contexto, dentro desse estudo, dentro desse reconhecimento

 

6’30”

é devido à quantidade e a qualidade dos grupos que atuam aqui dentro dessa linguagem. Se a gente for pegar fora do Nordeste não existe outra unidade da Federação que tenha tanta quantidade, tanta qualidade, tanta gente trabalhando em torno disso, tanta gente que não inventou aqui, que foi lá na fonte buscar, que foi no Nordeste, não só o Chico que foi um dos primeiros, como os outros que foram depois: Valter foi várias

 

7’

vezes aprender com os mestres, Carlos Machado, Josias, todo mundo aprendeu o caminho e aqui a gente reproduz isso. Existe até estudos de antes mesmo desse movimento que começou na década de 80, de alguns registros de trabalhadores que vieram pra construir a capital que trouxeram mamulengo na bagagem. Então, assim, acho que foi

 

7’30”

justo e foi correto, porque a gente não pode entender a questão do registro do boneco popular, que inclui Cassimiro Coco, Babau… Cassimiro Coco, Babau e João Redondo, e que não é só o mamulengo, é o teatro popular do Nordeste, teatro de bonecos popular do Nordeste e que, e que se for uma pesquisa mais aprofundada, é possível que se encontre até outras manifestações do brinquedo

 

8’

do boneco popular do Nordeste. Aqui a gente já ouve referências do Briguela uma vez o Josias disse que tava apresentando lá no Festineco mesmo e chegou um cara que parou e falou assim: “ Rapaz, você tava brincando briguela aí, né? ” Aí ele ficou inte…: “ De onde foi que você…” “Não, porque tinha um cara que brincava, que brincava aqui, que chamava o boneco dele era Briguela”. Então, assim, tem essas referências, então, assim, Brasília

 

8’30”

é um lugar diferenciado, tem pessoas de todas as unidades da Federação que vieram pra cá, e o mamulengo com certeza veio na bagagem; tanto ficou como depois, os filhos daqueles que vieram se interessaram por essa linguagem, e até quem não é filho, quem é de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul brinca mamulengo também, acho que é uma linguagem

 

9’

que tá aí pra ser estudada, pesquisada e feita, é isso.

 

9’30”

Diniz. A referência que tem no livro do seminário que teve 2013 – Histórias do teatro brasiliense -, o Eliezer que fez a organização do seminário.

 

Ib 30- Marco 6

Assim, o que a gente, o que hoje, o que chega pra gente são os mestres que continuam a fazer e que a gente conhece, e os que a gente não conheceu e que

 

30”

não tem em registro, né, é muita coisa. Teve um encontro de cultura popular que tinha um mestre que tava, que veio apresentar aqui que as pessoas não conheciam, a forma de brincar dele também era diferente, o mamulengo dele tinha uma voz muito fina que parecia muito com os brincantes que utilizam a palheta pra brincar, como no Pulcinella; então ele fazia, a voz que ele fazia do boneco era muito parecida com a palheta, então, assim, é múltiplo,

 

1’

é múltiplo, é vivo e é isso, é diverso.

 

1’30”

tão ruim que o pessoal pediu pra eles: “Não, ele tá passando mal”. E o cara não falou, entendeu, mas ele falou vagamente que atuava naquele parque que fica no Parque da Cidade, naquele parque de diversões, não é um lugar, que também eles transitavam em parques de diversões e seriam pessoas vindas de outras… ou de Minas, ou de São Paulo, ou do sertão mineiro, então tem não só a fonte nordestina, mas outras fontes.

 

2’

Sim, é, eu chamo isso, eu entendo isso como o teatro popular, pode ser que no Nordeste ele floresceu, mas deve existir outras referências do teatro popular brincado em Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás; porque é impossível a pessoa ver um boneco, alguém brincando boneco e não querer fazer.

 

2’30”

Então, como todo mundo começou, alguém viu alguém brincando e quis estar ali, quis fazer uma brincadeira como aquela, quis estar ali brincando com um boneco diante de uma plateia e eu acho que isso aí foi difu…, teatro de bonecos foi difundido assim: de alguém querer fazer, de alguém querer fazer o que viu um mestre fazendo, ou até de forma empírica mesmo. Eu mesmo, quando eu não

 

3’

sabia fazer boneco, eu arrancava as cabeças da boneca das minhas irmãs e botava uma roupinha, fazia uma pintura diferente… porque eu não sabia fazer, mas eu queria fazer, então é bem por aí.

 

3’30”

É, acho que é uma coisa importante hoje e que não se dá muita importância que é a classificação indicativa do espetáculo, não por uma questão de censura ou de nada, de que o artista, eu fiz isso pra que pessoas de determinada idade possa ver. Então, assim, essa associação, a gente que organiza festival, a gente sempre tem problema de ter espetáculo que não é pra criança, a gente anuncia que não é pra criança, mas toda hora

 

4’

chega uma mãe com a criança querendo assistir, então é um problema. Alguns espetáculos não têm nenhuma impropriedade, mas não foi feito pra criança, às vezes a criança pode até entrar, mas vai achar chato, vai achar ruim porque não foi feito pra ela.